Moradores e crianças precisam caminhar
no meio do lixo. (Foto: Marcos de Paula / G1)
No entanto, desde o fechamento oficial do aterro, no dia 3 de junho de 2012, quando diversas autoridades
trancaram com um cadeado os portões do lixão, a vida de catadores que
continuam vivendo no entorno do local está ainda pior. Sem saneamento
básico, moradia e condições dignas de sobrevivência, eles enfrentam
agora a dificuldade da falta de trabalho e de água potável para o
consumo.no meio do lixo. (Foto: Marcos de Paula / G1)
De acordo com a Lei 12.305/10, que determinou o fechamento dos lixões e instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, além do reconhecimento profissional e da capacitação, está prevista a inclusão social dos catadores.
“O rapaz que tem bomba [que capta água de um cano da Cedae nas proximidades do aterro] vende água pra nós a R$ 20 o barril [cerca de 90 litros]. Dá pra quase um mês, porque eu sou sozinho. Eu também tomo banho no trabalho antes de sair [para economizar]”, diz Carlos, que, apesar de não ter recebido nenhum curso de capacitação, conseguiu emprego de auxiliar de serviços gerais em um hospital da Zona Norte do Rio.
Carlos vive num barraco de madeira que conseguiu construir quando ainda era menor de idade e subia a rampa de Gramacho de madrugada para catar material reciclável e madeira. Após o fechamento do lixão, as fábricas de reciclagem que existiam no entorno do aterro também pararam as atividades. Como muitos moradores utilizavam a água dos canos que abasteciam essas empresas, ficaram sem água potável para o consumo.
Conhecido mundialmente após protagonizar o documentário "Lixo Extraordinário", que contou a história dos catadores do aterro, Tião lembra que antes as pessoas conseguiam ao menos sobreviver. “Gramacho [bairro] hoje é um bolsão de miséria e exclusão social. De certa forma, Gramacho [o antigo aterro sanitário] era onde as pessoas excluídas da sociedade conseguiam ser incluídas, pelo menos para sobreviver.”
Inclusão em conjunto com fechamento de lixões
Durante a sexta audiência da Comissão parlamentar de Inquérito dos Lixões na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), em 25 de maio, o procurador Renato Machado, do Ministério Público Federal (MPF), destacou que, apesar do antigo aterro ficar dentro de Duque de Caxias, durante 35 anos o município que mais despejou resíduos lá foi o Rio de Janeiro. Logo, a capital fluminense tem grande responsabilidade na inclusão desses catadores.
“O fechamento tem que se dar conjuntamente com a inclusão dos catadores. O município do Rio é o pior exemplo que a gente pode usar para o Brasil do cumprimento da Lei de Resíduos Sólidos, porque a inclusão dos catadores de Jardim Gramacho não foi feita de forma adequada. Foi dada uma indenização e pronto. Eles tinham que ter sido aproveitados na logística da coleta seletiva. Segundo a lei, os catadores devem ser estimulados a se associar em cooperativas e a experiência deles tem que ser aproveitada na coleta seletiva do município. E tem toda essa problemática, pois eles moram em Caxias, mas o principal município que jogava lá era o Rio. Então, dar um dinheiro x não basta”, garantiu Machado.
Segundo a prefeitura de Caxias, foi assinado um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) para a implantação da coleta no município com os catadores.
“Desenvolvemos o projeto com eles e vamos começar em um bairro no município com expectativa de ampliação da área de abrangência da coleta, após seis meses de coleta seletiva iniciada”, explicou o secretário de Ambiente do município, Luiz Renato Vergara, ressaltando que a demora para a criação do plano ocorreu devido à mudança de governo.
Até a publicação dessa reportagem, a prefeitura do Rio, que operava o aterro e era responsável pelo despejo diário de 10 mil toneladas de resíduos no local, informou apenas que pagou a indenização de quase R$ 14 mil aos catadores, mas não respondeu sobre os cursos de capacitação e quantos profissionais trabalham na coleta seletiva atualmente.
Problemas de saúde
A falta de saneamento e condições mínimas de higiene já trouxeram inúmeros problemas e doenças aos moradores da região. Carlos, que tem um filho de três anos, conta que a mãe da criança não deixa ele levar o filho para casa dele com medo que a criança pegue alguma doença. “Às vezes, quando ele vem aqui, tem que ficar em cima da cama. Não dá para ele brincar no chão”, contou o rapaz.
A família de Natalie Pinheiro, 25 anos, que foi catadora dos 16 até os 22 anos, também já passou por dificuldade por conta de água contaminada.
“Às vezes as crianças têm muita dor de barriga, têm febre, o meu filho mais velho já ficou internado por causa da qualidade da água. Ele teve infecção urinária por causa da bactéria que tinha na água”, lembrou. Depois disso, Natalie comprou um filtro de barro para melhorar a qualidade da água que os três filhos usam para beber.
“Meu marido comprou uma bomba com o dinheiro que recebeu da indenização. É como a gente puxa a água, porque não tem encanação aqui dentro”, contou Daniele Áurea Mendes da Silva, de 31 anos, que tem sete filhos e vive num barraco de madeira de apenas um cômodo e sem banheiro. A família toma banho a céu aberto, no quintal de casa, utilizando galões de água que são abastecidos pela bomba que o marido comprou.
Daniele e a família tomam banho de roupa no quintal, pois não há banheiros (Foto: Marcos de Paula / G1)
Natalie gastou quase todo o dinheiro da indenização com a alimentação
do filho caçula, que nasceu com intolerância à lactose. “Cada lata de
leite era muito cara, custava R$ 600. Coloquei ele no programa do
hospital infantil de Duque de Caxias, mas não consegui ganhar o leite e
eu tinha que comprar. O meu dinheiro foi para ele”, explicou Natalie.Há três anos, quando a equipe de reportagem do G1 esteve em Gramacho, para conversar com os catadores, Daniele fez um desabafo: “Às vezes, tenho vergonha que minhas amigas venham aqui. Então, prefiro nem chamar”, contou ela na época, diante do barraco de madeira onde morava.
Três anos depois e com um filho a mais, ela contou qual continua sendo o seu grande desejo. “O meu maior sonho é ter uma casa de tijolo para botar os meus filhos dentro e ter um emprego”, disse a jovem, que na época em que podia trabalhar no lixão e perto de casa revezava com o marido. Hoje, no entanto, como ele trabalha como pedreiro fora de Gramacho, a única renda da casa é a dele. “Alguém precisa ficar aqui com as crianças”.
Ponta de esperança
À frente do projeto social Ide Missões, o pastor evangélico Anderson Leite ressalta como consegue abrandar a fome de alguns jovens que vivem nas comunidades de Gramacho.
“Coloquei as crianças para treinar e um garoto desmaiou. Corri na padaria, comprei uma coca-cola e uma bananada e demos a ele para a taxa de glicose subir. Depois, dei uma bronca no moleque e disse que eles tinham que comer antes de vir treinar. O garoto virou e disse: ‘Pastor, tem três dias que eu não como nada. Não tem nada lá no barraco para comer’”, lembra Anderson, que, depois desse dia construiu uma cozinha industrial onde oferece almoço e lanche diariamente para cerca de mil crianças.
Pastor Anderson faz trabalho comunitário há sete anos na comunidade (Foto: Marcos de Paula / G1)
“É isso que vale a pena. Minha missão é essa. Quando estava decepcionado com a igreja e pedi a Deus para orar e sair do Brasil e ir para o Haiti ou para a África, ele me apresentou uma África bem perto de mim, uma região de miséria extrema que fica a 30 minutos de qualquer ponto do Rio. Jardim Gramacho para mim é a África brasileira e por isso estamos aqui há sete anos”, garante.
Crianças se divertem em parquinho de comunidade de Duque de Caxias (Foto: Marcos de Paula / G1)